Canção

Nunca mais vos abro a porta

do meu frágil coração.

Tinha muito que vos dar

e agora não vos dou não.

Não vos dou meu rei-de-espada,

minha flor de oscilação,

meu vestido de alvorada,

riso, rosa, remissão.

Não vos dou sonata, címbalos,

branco amor de hesitação

e tudo que vos trouxesse

presença ou destinação.

Guardai o vosso receio,

o parecer arbitrário,

o corpo doido de fome,

vosso desejo sumário.

Não vos quero peixe, planta,

ciclope, chavo, canário.

Não me mostreis vosso medo,

mansidão de fiduciário.

Não vos quero tolerante

impostor  e tributário.

Deixa-me só no terreno

do meu breve ser lunário.


No meu corpo renovado

eu plantei a solidão.

Nunca mais vos abro a porta

do meu grave coração.


Livro Hoje Poemas, págs.61 e 62

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