IMAGEM

Não foi a face no espelho,
não foi a noite espelhada
nem tristeza anoitecida
dentro de mim. Não foi nada.

Talvez, na prata de um verso,
minha face iluminada.

Livro Espelho Convexo, pág. 19

Comentários

  1. Que amável hora! Expiram os favônios;
    Transmonta o Sol; o rio se espreguiça;
    E, a cinzenta alcatifa desdobrando
    Pelas azuis diáfanas campinas,
    Na carroça de chumbo assoma a tarde...
    Salve, moça tão meiga e sossegada;
    Salve, formosa virgem pudibunda,
    Que insinuas cos olhos doce afeto,
    Não criminosa abrasadora chama!
    Em ti repousa a triste humana prole
    Do trabalho do dia, nem já lavra
    Juiz severo a bárbara sentença,
    Que há de a fraqueza conduzir ao túmulo.
    Lasso o colono, mal avista ao longe
    A irmã da noite coa-lhe nos membros
    Plácido alívio: — posta a dura enxada,
    Limpa o suor que em bagas vai caindo..
    Que ventura! A mulher o espera ansiosa
    Cos filhinhos em braço, e já deslembra
    O homem dos campos a diurna lida;
    Com entranhas de pai ledo abençoa
    A progênie gentil que a olho pula.
    Não vês como o fantasma do silêncio
    Erra, e pára o bulício dos viventes?
    Só quebra esta mudez o pastor simples,
    Que, trazendo o rebanho dos pastios,
    Coa suspirosa frauta ameiga os bosques...
    Feliz! que nunca o ruído dos banquetes
    Do estrangeiro escutou, nem alta noite
    Foi à porta bater de alheio alvergue.
    Acha no humilde colmo os seus penates,
    Como acha o grande em soberbões palácios.

    Ali também no ouvido lhe estremecem
    De mãe, de amigo os maviosos nomes;
    Conviva dos festins da natureza,
    Vê perfazerem-se as funções mais altas:
    — O homem nascer, morrer, e deixar prantos...
    Agora ia entre prados, após Laura,
    O ardido vate magoando as cordas;
    E a selvática virgem, recolhendo
    A grave dor cristã, que a assoberbava
    Do mancebo cedia à paixão nobre,
    Grande e sublime, como os troncos do ermo...
    Ai! mísera Atalá!... mas rasga o fogo,
    E o sino soa pelas brenhas broncas.
    Tarde, serena e pura, que lembranças
    Não nos vens despertar no seio dalma?
    Amiga terna, diz-me, onde colhes
    O bálsamo que esparges nas feridas
    Do coração? Que apenas dás rebate,
    Cala-se a dor; só geras no imo peito
    Mansa melancolia, qual ressumbra
    Em quem sob os seus pés tem visto as flores
    Irem murchando, e a treva do infortúnio
    Ante os olhos medonha condensar-se.
    Longe dos pátrios lares, quem não sente
    Os arrebóis da tarde contemplando
    Um súbito alvoroço? Então pendíamos
    Dos contos arroubados que verteram
    Propícios deuses nos maternos lábios;
    E branda mão apercebia o berço
    Em que ternos vagidos
    Infausto anúncio de vindouras penas.
    Sobre o poial sentada a fiel serva
    Que vezes atentei chamando ao pouso
    A ave tão útil que arrebanha os filhos,
    E adeja e canta, e pressurosa acode!
    Coa turba de inocentes companheiros,
    Agora sobre a encosta da colina,
    A casta Lua como mãe saudávamos,
    E suplicando que nos fosse amparo,
    Em jubilosa grita o ar rompíamos.
    Mas da puerícia o gênio prazenteiro
    Já transpôs a montanha; e com seus risos
    Recentes gerações vai bafejando.
    A quem ficou a angústia que moderas,
    Ó compassiva tarde? Olha-te o escravo,
    Sopeia em si os agros pesadumes:
    Ao som dos ferros o instrumento rude
    Tange, bem como em África adorada,
    Quando (tão livre) o filho do deserto
    Lá te aguardava; e o eco da floresta,
    Da ave o gorjeio, o trépido regato,
    Zunindo os ventos, murmurando as sombras,
    Tudo, em cadência harmônica, lhe rouba
    A alma em mágico sonho embevecida.
    Não mais, ó musa, basta; que da noite
    Os pardos horizontes se tingiram,
    E me pesa e carrega a escuridade.
    Oh! venha a feliz era que da pátria
    Nessas fecundas, dilatadas veigas
    Tu mais suave a lira me temperes
    Da singela Eponina acompanhado
    Na escura gruta que nos cava o tempo
    Hei de ao vale ensinar canções melífluas
    Nos lindos olhos, nos mimosos beiços,
    Nos alvos pomos, no ademã altivo
    Irei tomar as cores que retratem
    Da natureza os íntimos segredos.
    Do ardor da esposa; do sorrir da filha;
    Do rio que espontâneo se oferece
    Da terra que dá fruto sem o arado
    Da árvore agreste que na densa grenha
    Abriga da pendente tempestade
    A sobreolhar aprenderei haveres,
    A fazer boa sombra ao peregrino,
    A dar quartel a errado viandante
    Lá estendendo pelos livres ares
    Longas vistas, nas dobras do futuro,
    Entreverei o derradeiro dia...
    Venha; que acha os despojos do homem justo
    Ó esperança, toma-me em teus braços;
    Com a imagem da pátria me consola!

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