PROFECIA

Haveis de crescer suavemente
como a planta na pedra.  Haveis de crescer
de manso, respirando humilde o hálito da pedra.
E sugareis na pedra a seiva e o vosso sangue.
E sofrereis na pedra aridez e solidão.
E o vento achará em vós o irmão perdido
e, havendo mar, as ondas saber-vos-ão aquático
e vos reclamarão areia, musgo, concha.
Os pássaros achar-vos-ão propício para o ninho,
sereis fecundo, abrireis múltiplas asas
e aprendereis o canto da madrugada.

Haveis de crescer amargamente
como a sombra das nuvens pressagas.
E sereis fundo como a noite sem estrelas.
E estareis a sós como o primeiro sinal de tempestade.
Haveis de gritar, mas ninguém vos ouvirá.
Todas as consciências se fecham na tempestade.
Ficareis completamente a sós na noite densa,
tão tristemente só, que nem haverá prenúncio de eco.
A solidão será irremediável como a chuva pesada
em que vos mudareis. E será bom que haja longa chuva,
porque renascereis em flores e ciprestes.

Haveis de crescer humildemente
como as coisas que vegetam sem pretexto.
Haveis de crescer como a fumaça triste
que se nutre e se devora e se arrepende.
Ninguém, nem mesmo a vossa sombra vos impede,
antes subjuga-vos mais forte que o pensamento.
Haveis de crescer tão doloroso
como a solidão em que vos iniciais.
Vós sois o muro; a solidão, a hera.
Negar-lhe-eis o apoio e a vossa aquiescência,
mas estareis de todo possuído - até aos olhos.

Não busqueis fortaleza. Sereis fraco,
tão pobre que as abelhas vos darão do mel
e da humilhante cera. Sereis fraco e pobre.
Haverá um dia em que cuspireis na vossa carne
mais fraca do que vós. E negareis o corpo
tantas vezes, que infinitas vozes gritarão no fundo,
e estareis decerto mais fiel em vosso negar.
Seria bom se não tivésseis corpo. Ficaríeis
mais só do que a única estrela no deserto.
Haveis de arrepender-vos, tão de manso,
que a morte pensará vossa ferida.


Livro Hoje Poemas, páginas 25 e 26.

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